O autismo não tem uma causa única, mas resulta da interação complexa entre genética e ambiente. Entenda os 6 fatores-chave apontados pela ciência no desenvolvimento do Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Quando falamos sobre autismo, uma das perguntas mais comuns — e talvez mais inquietantes — é: “o que causa o Transtorno do Espectro Autista (TEA)?”. Essa pergunta carrega tanto o desejo de compreender quanto a ansiedade por respostas definitivas. Mas a ciência não trabalha com atalhos simplistas.
Diferente de doenças infecciosas, que têm um agente causal identificável, o autismo é multifatorial, heterogêneo e profundamente ligado à singularidade biológica de cada indivíduo.
Ou seja: não existe um único “culpado”.
O TEA emerge de uma teia complexa de fatores genéticos, epigenéticos e ambientais, interagindo ao longo do desenvolvimento. A ciência já nos mostrou que não se trata de um desvio, mas de uma forma distinta de neurodesenvolvimento.
Neste texto, vamos explorar seis grandes fatores que a literatura científica tem apontado como decisivos. A ideia não é esgotar o tema — impossível —, mas aprofundar o olhar sobre como a biologia e o ambiente se entrelaçam para dar origem ao espectro.
Sumário
O alicerce do neurodesenvolvimento

A genética é o ponto de partida.
Pesquisas apontam que até 99% da variabilidade associada ao TEA pode ser explicada por componentes genéticos.
Isso não significa determinismo absoluto, mas sim que o genoma estabelece um “mapa” para o desenvolvimento cerebral. Dentro desse mapa, pequenas variações podem alterar circuitos, conexões e funções que moldam a cognição, a linguagem e a interação social.
1. Alterações em múltiplos genes (mutações poligênicas)
Não existe um “gene do autismo”. O que existe é uma constelação de centenas, talvez milhares de variações genéticas que, em conjunto, aumentam a predisposição. Estudos de associação genômica ampla (GWAS) já identificaram mais de 1.000 genes candidatos relacionados a processos fundamentais, como:
- Formação de sinapses (como o gene SHANK3),
- Regulação da plasticidade neuronal,
- Transmissão de sinais químicos no cérebro.
Esse modelo poligênico ajuda a explicar a enorme diversidade dentro do espectro: cada combinação de variações resulta em fenótipos singulares, tornando impossível pensar em um “autismo único”.
2. Alterações cromossômicas (deleções e duplicações)
Outro caminho são as chamadas CNVs (Copy Number Variations) — grandes deleções ou duplicações cromossômicas. Elas funcionam como “capítulos inteiros faltando ou duplicados” no manual de instruções do DNA. Casos de síndromes como Angelman, Rett e Prader-Willi ilustram como essas alterações estruturais podem estar associadas ao TEA.
Essas condições reforçam a ideia de que o autismo não é apenas uma questão comportamental, mas um retrato biológico do desenvolvimento cerebral.
3. Síndromes genéticas conhecidas
Alguns diagnósticos genéticos específicos trazem o autismo como uma das manifestações. O caso mais conhecido é a Síndrome do X Frágil, em que quase metade dos indivíduos apresentam características do espectro.
Para as famílias, o diagnóstico genético funciona como uma bússola: ajuda a entender a origem do quadro e possibilita abordagens personalizadas de cuidado. Mais do que nomear, significa orientar caminhos terapêuticos e de suporte.
O contexto que interage com a genética

Se os genes fornecem o “manual”, os fatores ambientais representam as condições em que esse manual é lido. Não causam o autismo sozinhos, mas interagem com a predisposição genética, potencializando ou modulando o desenvolvimento.
4. Idade parental avançada
Diversos estudos epidemiológicos mostram uma correlação consistente entre idade avançada dos pais e maior risco de TEA. A explicação está no acúmulo de mutações ao longo do tempo nos gametas — principalmente nos espermatozoides. Quanto mais velho o pai, maior a chance de transmitir pequenas variações genéticas ao embrião.
É importante destacar: isso não é determinismo, mas aumento estatístico de risco. Muitas crianças de pais mais velhos não têm autismo, mas o fator se soma a outros em uma equação multifatorial.
5. Fatores relacionados à gestação e ao parto
A gravidez e o nascimento são períodos críticos para o cérebro em formação. Pesquisas já relacionaram o TEA a condições como:
- Prematuridade extrema (antes das 35 semanas),
- Baixo peso ao nascer,
- Infecções maternas durante a gestação,
- Exposição a medicamentos como o ácido valpróico.
Esses fatores não criam o autismo de forma direta, mas podem atuar como gatilhos biológicos em indivíduos geneticamente predispostos. É como se colocassem uma pressão extra sobre um sistema já delicado.
6. Exposição a agentes externos
A ciência ainda investiga o impacto de poluentes ambientais, metais pesados e toxinas químicas na gestação. Estudos sobre poluição atmosférica, por exemplo, têm sugerido associação com risco aumentado de TEA, embora os mecanismos biológicos ainda não estejam totalmente claros.
Aqui é fundamental reforçar um ponto: não existe qualquer evidência científica que relacione vacinas ao autismo. Essa hipótese foi refutada há décadas, mas continua circulando como mito perigoso. A ciência é clara: vacinas salvam vidas e não estão ligadas ao TEA.
O que a ciência nos ensina sobre complexidade
Ao olhar para esses fatores, fica evidente: o autismo não é uma equação simples, mas uma orquestra de múltiplas variáveis. Genes, ambiente, epigenética, contexto pré e pós-natal — todos se entrelaçam para compor o espectro.
Essa visão é transformadora porque nos convida a abandonar a busca por uma causa única e, em vez disso, abraçar a diversidade do neurodesenvolvimento como parte da condição humana.
Desmistifique com dados: aprenda sobre o autismo

O Center for Disease Control and Prevention (CDC) dos Estados Unidos, uma das fontes mais respeitadas globalmente em saúde pública, divulgou números que chocam: estima-se que cerca de 1 em cada 31 (3,2%) crianças de 8 anos foram identificadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Este dado, presente em seu material sobre Dados e Pesquisas sobre Autismo, é um espelho que reflete uma nova dimensão da neurodiversidade em nossa sociedade.
Mas o que esse número significa para nós, no Brasil?
Significa que a cada sala de aula, em cada condomínio, em cada grupo de amigos, há uma probabilidade cada vez maior de encontrar uma criança no espectro autista. Isso não pode ser ignorado.
Imagine uma turma de 30 alunos, é bem provável que um deles esteja no espectro, mesmo que ainda não tenha um diagnóstico formal.
Esse colega que se comunica de uma forma um pouco diferente, que se interessa por assuntos muito específicos ou que demonstra uma sensibilidade única a sons e luzes. Essa criança é parte da realidade que os números do CDC nos revelam e essa realidade exige mais do que apenas reconhecimento; exige ação e compreensão profunda.
Entendendo o aumento dos diagnósticos
Se você é do tipo que pensa “mas antigamente não tinha tanto autismo”, pare e reflita. O aumento vertiginoso nos números não é um sinal de que mais pessoas estão “virando” autistas. É a prova de que estamos, finalmente, identificando o que antes era invisível ou mal compreendido.
Historicamente, a prevalência do TEA apresentava números significativamente menores. O mesmo material do CDC que aponta para 1 em 31 hoje, mostra que:
- Em 2000: essa taxa era de 6,7 por 1.000 crianças, o que significava 1 em 150 crianças.
- Em 2004: essa taxa era 1 em 166.
- Em 2008: essa taxa era 1 em 88.
A cada nova pesquisa, o número subia, e não por alguma “epidemia” misteriosa, mas por uma mudança fundamental na forma como entendemos e identificamos o autismo.
O que mudou? A ciência avançou, a sociedade amadureceu e a busca por respostas se intensificou. Não se trata de uma “epidemia”, mas sim de um reflexo do progresso no conhecimento e na capacidade diagnóstica.
A desmistificação do aumento de casos de autismo
É crucial desmistificar a ideia de uma “explosão” de casos de autismo. O que testemunhamos é uma confluência de fatores que tornaram o TEA mais visível:
- Aumento da Conscientização: Pais, educadores e profissionais de saúde estão mais informados e aptos a reconhecer os sinais precoces do autismo. Campanhas de conscientização e a difusão de informação via internet e mídias sociais têm um papel fundamental nisso.
- Aprimoramento dos Critérios Diagnósticos: Os manuais de diagnóstico, como o DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), evoluíram para uma compreensão mais abrangente do TEA como um espectro, englobando uma gama maior de características e níveis de suporte. O que antes poderia ser classificado de outras formas ou simplesmente não diagnosticado, hoje encontra um enquadramento mais preciso dentro do espectro autista. O DSM-IV, por exemplo, diferenciava entre “transtorno autista”, “Síndrome de Asperger” e “transtorno desintegrativo da infância”. O DSM-5 unificou tudo sob o guarda-chuva do TEA, reconhecendo que o autismo se manifesta em uma vasta gama de apresentações, de pessoas com grandes necessidades de apoio a indivíduos com habilidades intelectuais excepcionais.
- Maior Acesso ao Diagnóstico: Apesar dos desafios persistentes, o acesso a profissionais qualificados e a serviços de saúde especializados tem melhorado, ainda que de forma desigual. O artigo Transtorno do Espectro Autista em Crianças: Uma Revisão Sistemática sobre o Aumento da Incidência e do Diagnóstico, publicado na Research, Society and Development, reforça essa questão, destacando as preocupações com os processos de triagem, diagnóstico e a própria qualificação profissional. Isso nos força a questionar: estamos formando profissionais à altura do desafio que temos pela frente? A resposta, frequentemente, é “ainda não”. A fila de espera por um diagnóstico em centros especializados pode ser longa. Em muitas cidades do interior, simplesmente não há neurologistas infantis ou psicólogos com expertise em TEA. Superar essa barreira de acesso não é apenas uma questão de números, mas de dignidade e equidade.
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Não se trata de um aumento real no número de nascimentos de autistas, mas de um aprimoramento em nossa capacidade de detectar e nomear essa neurodivergência. E essa capacidade é um avanço que não podemos subestimar, uma vez que nos obriga a confrontar nossas antigas concepções e a abraçar uma realidade mais complexa e rica em diversidade humana.
IA com propósito e inclusão com estratégia

Na Braine, cada projeto nasce de uma escuta real das necessidades de pessoas neurodivergentes, suas famílias e profissionais que as acompanham. Mais do que ferramentas tecnológicas, criamos pontes entre o conhecimento científico e o cotidiano de quem vive às margens de um sistema que ainda exclui.
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Esses são só os primeiros passos. Nosso compromisso está em expandir cada vez mais as possibilidades de uma tecnologia que reconhece as diferenças e atua para torná-las forças de transformação. Cada projeto é uma resposta pragmática a um problema urgente. Porque inclusão sem ação é só discurso bonito.
Um convite para atravessar fronteiras: descubra a neurodiversidade com a Braine
Se você chegou até aqui, é porque sabe — no fundo, talvez até sem ter colocado em palavras — que falar de neurodiversidade não é apenas falar sobre diagnósticos, rótulos ou políticas públicas. É falar sobre futuro. É falar sobre o modo como escolhemos viver em sociedade. É falar sobre aquilo que pode nos libertar de uma lógica estreita, produtivista e excludente que ainda insiste em reduzir pessoas a métricas e padrões.
Na Braine, criamos pontes entre ciência, tecnologia e sensibilidade. Nosso blog é um desses caminhos — textos densos, reflexivos, provocativos — para você olhar para além do que é confortável, questionar estruturas e repensar o que significa inclusão. Cada post é um convite para enxergar a diferença não como problema, mas como potência.
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Portanto, este é o meu convite — e não é um convite qualquer. Venha explorar o blog da Braine, participar do ExpoTEA, seja um dos nossos beta tester, conheça nossas ferramentas e descubra “Fronteiras da Neurodiversidade”. Cada passo seu nesse percurso ajuda a construir um mundo onde a diferença deixa de ser um obstáculo e passa a ser uma força.
A travessia começa agora. E queremos você ao nosso lado.