O que a ciência diz sobre o boom dos bebês reborn?

Bebês Reborn: O que a ciência tem a dizer?

Entenda os motivos por trás do boom recente dos bebês reborn, o que a ciência diz, os julgamentos da internet e como essas bonecas tem sido usadas em contextos clínicos de terapias diversas.

Você com certeza ouviu falar sobre os bebês reborn no último mês.

Provavelmente, também leu ou ouviu todos os xingamentos e ofensas proferidos às mulheres que decidiram mostrar suas bonecas e a rotina afetuosa que construíram com elas. Mas o que muita gente não sabe é que existe um universo mais complexo por trás dessa prática.

Por trás do julgamento e da aparente excentricidade, os bebês reborn têm respaldo em contextos terapêuticos diversos. E para mais do que simplesmente um passatempo divertido, eles tem se mostrado ferramentas valiosas para lidar com a dor, o cuidado e a neurodiversidade.

O que são os bebês reborn?

Bebês reborn são bonecas hiper-realistas confeccionadas com o objetivo de simular com riqueza de detalhes a aparência e as características físicas de um recém-nascido humano.
Bebês reborn são bonecas hiper-realistas confeccionadas com o objetivo de simular com riqueza de detalhes a aparência e as características físicas de um recém-nascido humano.

Os chamados bebês reborn são bonecas hiper-realistas confeccionadas com o objetivo de simular com riqueza de detalhes a aparência e as características físicas de um recém-nascido humano. Com peso, textura da pele, expressões faciais e até cheiro cuidadosamente reproduzidos, essas bonecas vão muito além de brinquedos comuns.

Surgidas originalmente como peças de arte colecionável no final dos anos 1990, elas rapidamente passaram a ocupar um espaço mais afetivo e terapêutico entre adultos que, por diferentes razões, encontraram nelas algo mais profundo do que um simples objeto decorativo.

Com a ascensão das redes sociais e o crescimento do compartilhamento de rotinas pessoais, vídeos mostrando interações diárias com bebês reborn viralizaram. Nesse novo contexto digital, as bonecas deixaram o nicho da arte e do colecionismo para ganhar os feeds de plataformas como TikTok e Instagram, atraindo olhares do mundo todo, e principalmente, os julgamentos de um público despreparado para compreender as diversas funções que essas bonecas podem ter na vida de uma pessoa.

Julgamentos da internet

A internet costuma ser bem rápida na hora de formar opiniões definitivas sobre comportamentos que não seguem o roteiro social esperado.

Mulheres adultas cuidando de bonecas, muitas vezes em público ou em casa, filmando e compartilhando essas interações com orgulho, escancararam mais uma vez o preconceito explícito de uma sociedade que debocha e repudia mulheres que tenham qualquer atitude que não condiz com aquilo que essas pessoas acham normal.

Leia Também  Neurodivergência: o que todos deveriam saber

Chamadas de “loucas”, “infantis” e “doentes”, essas usuárias foram alvo de ataques que escancararam um problema maior: a dificuldade da sociedade em lidar com expressões não normativas de afeto, perda e neurodivergência.

O que está por trás desse incômodo pode não ser a boneca, mas o espelho que ela representa.

Mulheres que encontram um passatempo por prazer ou como terapia ainda são muito julgadas
Mulheres que encontram um passatempo por prazer ou como terapia ainda são muito julgadas

Aplicações terapêuticas dos bebês reborn

Longe de todo esse cenário do boom digital, os bebês reborn já vem sendo utilizados em intervenções terapêuticas sérias ao redor do mundo há muitos anos. Estudos recentes demonstram o impacto positivo dessas bonecas na regulação emocional, na estimulação cognitiva e na criação de rotinas de cuidado que ajudam a atravessar experiências humanas limiares, como o luto, o envelhecimento e a neurodivergência.

Em idosos com demência

 O uso de bonecas realistas pode diminuir quadros de agressividade, agitação e ansiedade em idosos
O uso de bonecas realistas pode diminuir quadros de agressividade, agitação e ansiedade em idosos

Pesquisas como a de Martín García et al. (2022), publicadas na revista Healthcare, evidenciam os efeitos positivos da chamada “doll therapy” — o uso terapêutico de bonecas — na redução de sintomas comportamentais e psicológicos da demência.

A análise sistemática aponta que o uso dessas bonecas pode diminuir quadros de agressividade, agitação e ansiedade em idosos, além de favorecer a interação social e restaurar uma sensação de propósito.

Na prática, o bebê reborn se torna um recurso terapêutico que evoca gestos antigos de cuidado e reativa memórias afetivas, muitas vezes inacessíveis por outras vias. Estudos nacionais como o de Souza et al. (2023) também reforçam essa perspectiva, ao demonstrar a eficácia da presença simbólica de um bebê no estímulo à comunicação, à empatia e ao autocuidado entre pessoas idosas.

Em contextos de luto e saúde mental

Em experiências de luto perinatal, infertilidade e perdas neonatais, os bebês reborn também tem desempenhado um papel importante como suporte simbólico.
Em experiências de luto perinatal, infertilidade e perdas neonatais, os bebês reborn também tem desempenhado um papel importante como suporte simbólico.

Em experiências de luto perinatal, infertilidade e perdas neonatais, os bebês reborn também tem desempenhado um papel importante como suporte simbólico. Ao contrário do senso comum, essas bonecas não funcionam como substitutas de filhos perdidos, mas sim como ferramentas de ressignificação e elaboração do trauma vivido por essas mulheres.

Outro contexto muito comum envolve a gravidez de mulheres neurodivergentes, como apresentado por Elliott, Buchanan e Bayes (2024), publicada na revista Women and Birth, reforça que pessoas neurodivergentes — especialmente autistas e com TDAH — enfrentam desafios particulares no período perinatal, incluindo sobrecarga sensorial e dificuldades de comunicação emocional. Isso evidencia a importância de recursos simbólicos e previsíveis que possam oferecer estrutura à dor e apoiar a reconstrução de vínculos afetivos desorganizados pela perda.

A presença do bebê reborn nesses contextos atua como uma forma de mediação simbólica que auxilia na ressignificação do luto, favorecendo a autorregulação e a criação de um espaço íntimo de cuidado.

Leia Também  Dislexia: o que é, 7 sinais e caminhos para acolher

Nesses casos, a escuta sensível e o não-julgamento são pré-requisitos éticos de qualquer abordagem terapêutica comprometida com a saúde mental.

Para pessoas neurodivergentes

Robôs humanoides com expressões faciais realistas para facilitar a empatia e o engajamento, e as crianças se conectaram melhor com expressões exageradas e periféricos táteis
Robôs humanoides com expressões faciais realistas para facilitar a empatia e o engajamento, e as crianças se conectaram melhor com expressões exageradas e periféricos táteis

Um estudo recente com crianças autistas, conduzido por Li Jamy et al. (2020), investigou o uso terapêutico de robôs humanoides com expressões faciais realistas para facilitar a empatia e o engajamento, e as crianças se conectaram melhor com expressões exageradas e periféricos táteis — como objetos “squishies”.

Os bebês reborn são previsíveis, silenciosos e emocionalmente seguros, diferente de muitos estímulos sociais, não exigem interpretação de pistas sutis, nem reações imediatas. Ele permite um tipo de vínculo simbólico livre das exigências do “normal”, oferecendo um espaço de cuidado que respeita os ritmos, os limites e as formas próprias de sentir.

Se até os robôs precisam ser simplificados para fazer sentido, talvez seja hora de rever o quanto esperamos que pessoas autistas se adaptem a um mundo que mal se esforça para ser compreensível.

O que estamos tentando controlar quando julgamos?

O incômodo social diante de mulheres adultas que cuidam de bebês reborn revela muito mais sobre os limites da nossa empatia do que sobre a prática em si.

O gesto de cuidado dedicado a uma boneca hiper-realista, visto de fora como algo inusitado ou fora do padrão, rapidamente se transforma em alvo de piada, julgamento e patrulhamento moral. Mas o que está sendo questionado aqui não é a boneca — é a autonomia de mulheres em construir seus próprios rituais de afeto, regulação emocional e resistência simbólica.

Essa raiva não é nova, ela carrega o peso histórico de uma sociedade que nunca soube lidar com o que escapa da norma, quando uma mulher escolhe um hobby, um prazer solitário ou uma forma íntima de reconstruir seus vínculos, é comum que isso seja deslegitimado — especialmente quando não serve diretamente à produtividade, à maternidade normativa ou à imagem pública de sucesso emocional. A zombaria, nesse cenário, se torna uma tentativa de reconduzir o afeto à ordem do que é permitido, do que é funcional, do que é legível aos olhos dos outros.

Mas o que parece estranho para quem vê de fora, para quem nunca precisou reinventar a própria forma de existir no mundo, é muitas vezes uma tábua de salvação para quem vive por dentro a experiência da perda, do trauma, da neurodivergência ou da solidão.

Os bebês reborn não são um capricho, eles têm sido aplicados com resultados clínicos concretos em contextos de demência, luto perinatal, depressão, infertilidade e em terapias com pessoas autistas.

Leia Também  Dia das Mães: quem cuida de quem cuida

Eles oferecem previsibilidade, acolhimento e uma estrutura simbólica que permite reorganizar afetos que a vida, em alguma curva, desestruturou.

Quando zombamos disso, o que estamos tentando controlar é exatamente o que não conseguimos nomear: a fragilidade. E o que nos incomoda, no fundo, não é o outro que sente de forma diferente — é o medo de admitir que talvez a dor precise, sim, de novas linguagens para ser cuidada.

Conheça a Braine e a sua luta pela causa neurodivergente

Nosso trabalho está centrado em desenvolver tecnologias que apoiem pessoas neurodivergentes a viver com mais conforto e dignidade. Isso inclui desde soluções baseadas em inteligência artificial até ferramentas de baixo custo, simbólicas ou sensoriais, que oferecem suporte concreto no dia a dia.

A questão nunca foi sobre o “nível tecnológico” de uma ferramenta, mas sobre sua capacidade de gerar impacto emocional, aliviar a sobrecarga e sustentar uma vida mais possível.

Reconhecemos e valorizamos a importância dos bebês reborn

Para muita gente, o uso de bebês reborn pode parecer periférico ou até excêntrico. Mas para a Braine, essa é uma conversa central — porque tem a ver com autonomia emocional, regulação sensorial, elaboração simbólica do afeto e, principalmente, com inclusão real. Não a inclusão estética das campanhas publicitárias, mas aquela que reconhece a complexidade de ser neurodivergente em um mundo que ainda funciona para cérebros neurotípicos

Os bebês reborn ajudam a criar espaço para o cuidado em formatos que respeitam a diversidade das experiências humanas, como por exemplo quando uma mulher autista encontra previsibilidade e alívio ao cuidar de um reborn, ou quando uma idosa com Alzheimer reencontra uma memória afetiva antiga ao embalar uma dessas bonecas, estamos vendo ali o que chamamos de tecnologia do afeto — e é disso que a Braine trata.

Enquanto o mundo segue tentando encaixar todas as pessoas num único molde de normalidade, nós seguimos apostando no que realmente importa: fazer com que mais pessoas se sintam vistas, compreendidas e acompanhadas. Mesmo que esse acompanhamento venha na forma de uma boneca, de um robô social ou de uma IA personalizada.

Inclusão não tem uma cara só e a gente está aqui para garantir que cada uma delas tenha espaço para existir.

Referências:

ELLIOTT, Jata K.; BUCHANAN, Kate; BAYES, Sara. The neurodivergent perinatal experience—A systematic literature review on autism and attention deficit hyperactivity disorder. Women and Birth, v. 37, n. 6, p. 101825, 2024.

LI, Jamy et al. Usability of a robot’s realistic facial expressions and peripherals in autistic children’s therapy. arXiv preprint arXiv:2007.12236, 2020.

MARTÍN-GARCÍA, Angela et al. Effect of doll therapy in behavioral and psychological symptoms of dementia: a systematic review. In: Healthcare. MDPI, 2022. p. 421.

SOUZA, Evelly Rayanne Oliveira; DOS SANTOS NOGUEIRA, Maria Izabel; DA CRUZ MACHADO, Ana Karina. ANÁLISE DA EFICÁCIA DO USO DE BONECAS TERAPÊUTICAS COM PESSOAS IDOSAS.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *